Não pudestes vigiar nem uma hora comigo?

Não pudestes vigiar nem uma hora comigo?

Mateus 26.40b



Jesus estava no Getsemani. Após a cerimônia da Páscoa, sua última celebração, ocasião em que instituiu também a cerimônia da Nova Aliança que estava prestes a concretizar na Cruz, o Senhor levou seus discípulos para um local afastado da cidade descrito nos evangelhos como um horto ou jardim. Com exceção de Judas, o traidor, os discípulos foram ali pernoitar com o Senhor, sem se darem conta das coisas que estavam próximas de acontecer. Para eles não havia nada de anormal. Estavam enfadados e esperavam tirar um cochilo, pois certamente seu mestre os levaria no dia seguinte por mais uma extenuante jornada de curas e de pregações, principalmente por estarem em Jerusalém por ocasião da maior e mais importante festa judaica.

Ficaram surpresos, todavia, ao chegarem ao local. O Senhor chamou três deles à parte, Pedro, Tiago e João, aos quais confessou estar muito angustiado e, em seguida, afastou-se um pouco deles para orar solitariamente, mas antes lhes pediu que também vigiassem com ele do ponto onde estavam. O Senhor orou ao Pai para que, se fosse possível, livrasse-o de beber o cálice da cruz, mas que fizesse a vontade divina. Ao voltar para o ponto onde estavam os três discípulos, encontrou-os dormindo. Falou, então, para Pedro, talvez por ser o mais velho, se ele não pudera vigiar ao menos uma hora com ele. 

Meditemos um pouco nessas palavras do Senhor usadas para arguir a Pedro.

  1. O Senhor estava emocionalmente fragilizado. Por sua natureza divina, sabia de tudo o que estava para lhe acontecer. Não creio que temesse a morte ou mesmo a dor, mas antes a humilhação a que estava para ser submetido. Ele precisava do apoio de alguém que, pelo menos, orasse com ele naquele instante. Mas tudo o que encontrou em seus amigos foi descaso com sua dor, insensibilidade total. Por duas vezes ainda, o Senhor os encontrou adormecidos, até que já fortalecido e determinado, diz para que durmam, porque não havia mais tempo e a sua hora havia chegado. Nesse momento chegam os soldados e a multidão de arruaceiros conduzidos por Judas e arrastam nosso mestre para a prisão. Os discípulos então se acordaram, mas era tarde demais. Nada fizeram pelo Senhor em seus momentos finais com ele, não o consolaram, não intercederam por ele. Se o Senhor não fosse quem era, talvez tivesse desistido ali mesmo. Pedro ainda esboçou uma reação, como nos diz o evangelista João, mas foi ação carnal que teve de ser corrigida por Jesus. O Senhor ainda quer nos dias de hoje que vigiemos com ele em oração pelo menos por uma hora? Esta pergunta me veio à mente. Claro que Ele não precisa mais de apoio emocional ou companhia humana, mas entendo que ele deseja, sim, que velemos em oração diariamente. Ele deseja que oremos por outros que à semelhança dele no Getsêmani, estão em grande angústia. Seja por problemas pessoais, seja por tragédias coletivas, como os refugiados na Síria, as vítimas de tragédias naturais, os enfermos nos hospitais, os encarcerados, os perseguidos pelo evangelho, as crianças e moradores de rua, as vítimas da violência, os pobres e oprimidos. O Senhor quer que oremos, pois, além de nosso mundinho confortável, há um mundão de gente que padece e morre todos os dias, muitos deles sem pelo menos o conforto da salvação eterna.

  2. O Senhor insistiu para que orassem a fim de que estivessem prontos para os momentos tenebrosos que estavam por vir. Na verdade, eles, os discípulos, estariam mais se ajudando do que ao Senhor se tivessem orado naquela noite. Mas o Senhor deu a dica: Vigiai e orai para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca. (Mt 26.41). A falta de oração resultou em dúvidas, em negação, em debandada geral. Por que devemos orar, mesmo quando tudo parece tranquilo, quando está bem entre nós e Deus, quando na família não falta nada? Porque não sabemos o que virá nos momentos seguintes. Devemos orar sempre para que possamos resistir no dia mau (Efésio 6.13). O que virá a seguir em nossas vidas? Pode ser que a sequência de dias tranquilos prossigam indefinidamente, mas pode ser que uma tragédia nos ocorra, um acidente fatal leve-nos um ente querido, uma tentação ameace destruir nossa integridade espiritual, uma traição de alguém querido nos desestabilize espiritual e emocionalmente, uma grave doença acometa a nós ou uma pessoa querida, uma perseguição venha a obrigar-nos a mudar de emprego, de domicílio; uma crise financeira ocasione o nosso desemprego ou atraso de nossos salários. Só para ilustrar. E por que estamos tão tranquilos? Por que estamos usando e abusando deste mundo? Por que não oramos nem uma hora por dia? Diferente de nosso Senhor, nada sabemos sobre o futuro. Somos como cegos tateando no escuro de nossa visão presente, crentes que tudo será normal amanhã e depois e depois. Se nada sabendo sobre o instante seguinte somos tão despreocupados, imagine se soubéssemos alguma coisa. Acho que só oraríamos às vésperas de nossas tragédias. Talvez seja por isso que Deus não nos tenha dado a capacidade de conhecer o futuro, para que, pelo menos, oremos e confiemos nele.

  3. O Senhor, nos seus momentos finais, demonstrou com seu exemplo a importância e a necessidade da oração. O que uma pessoa faz nos momentos que antecedem uma viagem ou mesmo a morte, no caso de pacientes terminais conscientes? Ela fala com seus entes e amigos sobre coisas realmente importantes. O Senhor quis enfatizar para seus discípulos a importância da oração. Ao orar ali no Jardim, seus temores se dissolveram de todo e uma vigorosa determinação lhe motivou a concluir sua missão. Vê-se uma grande diferença de quando o Senhor chega no jardim e quando, após orar, ele recebe seus algozes. Não havia mais temor algum. Há uma diferença entre a confiança resultante da comunhão com Deus e da postura temerária que muitos demonstram pela falta de oração. Quem ora sabe que o mal sempre virá, algum dia, de algum modo, por isso, procura se preparar e, quando a tempestade chega, encara-a com paz e convicção; atravessa os vales de sombra e morte guiados pelo Divino Pastor. Quem vive despreocupadamente como se o mundo fosse um salão de festas, onde tudo é sorriso, é música, é alegria, é lazer e passatempo, pode não resistir às intempéries da vida. 


Hoje, somos uma geração de cristãos que ora pouco ou quase nada, com louváveis exceções. Louvamos a Deus com nossos lábios, mas nossos corações estão bem distantes dele. Talvez oramos pouco porque não vemos necessidade disso e há muito com que se distrair. Não há necessidade porque a medicina nos cura com suas drogas e aparelhagens tecnológicas; não há necessidade porque os traumas podem ser curados com psicólogos e terapeutas; não necessitamos de oração porque temos empregos e salários e não dependemos tanto da natureza (como dependem os que vivem da caça e da pesca, por exemplo). Além disso, há tantas distrações “bem melhores” do que a oração e a leitura da palavra. Gastamos horas com novelas, filmes e seriados e com conversas fúteis nas redes sociais, temos também tantas opções de lazer como as praias, os restaurantes, as viagens turísticas. Não que isso seja mau em si, o problema é que nunca temos tempo para orar, mas para tudo o mais temos. Infelizmente nosso problema é que não priorizamos a oração e que ela perde de dez a zero para tudo o mais. Eis a espécie de cristãos que somos.


 



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